MUDANÇAS NO USO DO SOLO SÃO PRINCIPAL CAUSA DA DEGRADAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA

24 de março de 2022


 

Na Semana Mundial da Água, Rede PROFCIAMB alerta para a importância de preservação dos recursos hídricos.

Por Paula Penedo P. de Carvalho

 

Há mais de 60 anos, quando o astronauta russo Iuri Gagarin se tornou a primeira pessoa a viajar para o espaço, ele não apenas iniciou a corrida espacial, como emitiu uma das frases mais famosas da humanidade. “A Terra é Azul” foi a constatação de que a maior parte da superfície do planeta é formada por água, e essa abundância gera a sensação de que estamos diante de um recurso infinito, que pode ser utilizado sem muita preocupação com sua preservação.

Mas, embora a Terra seja de fato coberta por 70% de água, apenas 2,5% dessa quantidade está em sua forma doce, própria para consumo humano, enquanto outros 30% são formados por águas subterrâneas, de acesso caro e difícil. Ao mesmo tempo, a pouca conscientização sobre a importância de cuidar da água gera desperdício e degradação. O resultado disso é que até 2050, 5 bilhões de habitantes do planeta, ou metade da população mundial, sofrerão com a falta d’água, de acordo com previsões da Organização das Nações Unidas (ONU).

Segundo o biólogo José Eduardo Martinelli Filho, docente do PROFCIAMB pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em escala global, o principal impactado será o sistema de produção de alimentos, cuja dependência da água vai desde a irrigação da lavoura e alimentação de animais, até a higienização e sanitização de ambientes e processos industriais. “Isso possivelmente aumentará o valor do alimento, principalmente o processado, afetando diretamente a qualidade de vida das populações em seus recursos financeiros”, comenta.

Martinelli explica que as principais causas da degradação da qualidade dos corpos d’água estão relacionadas às mudanças nos padrões de uso do solo, causados por fatores como a agropecuária, mineração e urbanização das cidades. Na Amazônia, por exemplo, o desmatamento leva à lixiviação do solo, que transporta uma grande quantidade de sedimentos para os rios. Em áreas utilizadas para pecuária ou extração mineral, esses sedimentos podem estar contaminados por substâncias como pesticidas, agrotóxicos, fertilizantes e até mesmo metais pesados como mercúrio e compostos orgânicos altamente tóxicos como o cianeto.

No caso dos fertilizantes, um impacto ambiental secundário é a eutrofização, ou seja, o aumento de nutrientes na água, que leva ao crescimento das populações de microrganismos e até mesmo de organismos maiores, como o plâncton. No longo prazo, isso implica na redução da concentração de oxigênio na água, no aumento da geração de metano por bactérias produtoras desse gás e no bloqueio da entrada de luz solar pelo crescimento de plantas aquáticas, causando a consequente diminuição da fotossíntese das microalgas.

Já nas zonas urbanas, o maior problema é a grande quantidade de esgoto não tratado que é levado aos rios e oceanos. “Quando falamos de esgoto doméstico, nós temos a inserção de patógenos e, quando falamos de esgoto industrial, a adição de poluentes químicos”, complementa Martinelli, lembrando ainda do microplástico, um poluente encontrado em produtos como fibras sintéticas e cosméticos e que é liberado no esgoto em procedimentos como lavagem e secagem de roupas.

Políticas de preservação precisam ser mais eficientes

 

Para Martinelli, as principais ações a serem tomadas para evitar o desperdício e a degradação das águas estão relacionadas às políticas de preservação de recursos naturais, como mananciais, fontes de água, mata ciliar e nascentes. Além disso, defende, a gestão dos reservatórios precisa ser feita de maneira mais eficiente, visto que ela ainda representa um problema histórico no Brasil, causando uma série de impactos socioambientais na comunidade à sua volta.

Exemplo disso foi a construção, na década de 1980, da usina hidrelétrica de Balbina, no rio Uatumã, localizado no Estado do Amazonas. O reservatório foi alagado sem a retirada da floresta local, matando a vegetação e animais que lá se encontravam. Como consequência, todo esse material apodreceu em baixo d’água, em um processo de liberação de gás metano que é muito mais intenso em regiões tropicais como a Amazônia.

De acordo com Martinelli, essa região se transformou em uma verdadeira “bomba de metano”, segundo gás mais importante para o processo de aquecimento global. “Mais recentemente tivemos a Usina Hidrelétrica São Manoel no rio Teles Pires, onde a maior parte da vegetação não foi removida porque, para a empresa, foi mais barato pagar a multa ambiental, do que pagar pelo custo de remoção da vegetação. Mesmo em um reservatório bem mais atual, boa parte da vegetação continua lá, causando apodrecimento“, lamenta o docente.

Além disso, como os reservatórios mudam o fluxo do rio, ele se torna um sistema de água lento, que impacta a fauna de peixes migratórios. Embora a legislação brasileira obrigue usinas hidrelétricas a construírem corredores para transposição de peixes, essa foi uma mudança que só ocorreu no final dos anos 1990. “Até então esses peixes não conseguiam subir e nem descer o rio e a população acabava diminuindo ou até extinguindo. Mas isso é uma condicionante ambiental relativamente recente e que diminui um pouco o impacto dos reservatórios”, finaliza Martinelli.