ALUNA DA REDE PROFCIAMB CRIA VÍDEOS EM LIBRAS PARA ENSINO DO TEMA ÁGUA

18 de abril de 2022


Por Paula Penedo P. de Carvalho

No próximo final de semana, comemoram-se duas datas de grande relevância para a população surda no Brasil: O Dia Nacional da Educação de Surdos e o Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais (Libras), celebrados respectivamente em 23 e 24 de abril. Embora mais de 2 milhões de brasileiros tenham algum grau de surdez, de acordo com dados do IBGE, ainda são bastante comuns os desafios relacionados à comunicação e à acessibilidade nas escolas regulares, o que impacta diretamente na trajetória educacional desses alunos.

Foi pensando em auxiliar a comunidade surda na obtenção de conhecimentos socioambientais que uma aluna da Rede PROFCIAMB criou um material educomunicativo para ensino do tema água às pessoas surdas. Tabita Teixeira, que é tecnóloga em meio ambiente e recursos hídricos, elaborou uma série de vídeos em Libras e legendados em português como produto do Mestrado profissional em Ensino das Ciências Ambientais, cursado na associada da Universidade de São Paulo (USP).

Ao todo, foram produzidos seis vídeos abordando as temáticas água, bacia hidrográfica, mata ciliar, água virtual, contaminação das águas e gestão compartilhada das águas, e que estão disponíveis no canal da Associação de Surdos de Jaú e Região (ASJA) “A ideia do material é que ele possa ser utilizado em todos os ensinos, sejam eles formais, não formais ou informais, e por qualquer faixa etária a partir dos dez anos, para que as pessoas possam compreender alguns conceitos mais complexos”, explica Tabita.

A aluna, que é ouvinte, teve a ideia de criar um produto voltado ao ensino de surdos ao desenvolver um projeto de educação ambiental com os participantes da ASJA e perceber as dificuldades que eles enfrentam para serem integrados e socializados nas escolas. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, a educação de pessoas com deficiência deve ocorrer de preferência

na rede regular, com apoio especializado para atender às suas necessidades. Além disso, a Libras deveria ser introduzida como primeira língua no caso dos surdos, mas nem sempre isso ocorre.

“É cultural. Pais surdos passam para os filhos o uso da Libras; pais ouvintes não estão nessa cultura e muitas vezes tentam “consertá-los”, mas a cultura surda não entende a surdez como uma deficiência e sim como outra forma de comunicação”, esclarece Tabita, que ainda relata a ausência de profissionais capazes de lidar com esses alunos nas escolas. “Eu, por exemplo, fiz um curso de Libras que me permitia atuar como intérprete por causa do total de horas, mas que não me qualificava tecnicamente”, alega a aluna, que abordou este tema em um minicurso online.

Uma produção colaborativa

O objetivo inicial de Tabita em seu mestrado era criar um e-book destinado a auxiliar intérpretes e professores de pessoas surdas. No entanto, durante a qualificação, a docente Ana Claudia Lodi, do Centro de Ensino, Pesquisa e Extensão sobre Educação de Surdos e Ensino de Libras (CesLibras), do Departamento de Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do campus de Ribeirão Preto da USP, sugeriu a elaboração dos vídeos, uma vez que já existia muito material para intérpretes de diversas outras temáticas, mas faltavam materiais destinados aos próprios surdos.

Com isso, foi decidido que a apresentação dos vídeos seria feita pela professora Mariana Didone, que é surda e trabalha como intérprete na cidade de Dois Córregos, e aceitou gravar os vídeos de maneira voluntária. “Participar dessa experiência foi uma ótima oportunidade porque eu não conhecia muitos detalhes sobre o tema e pude aprender melhor durante as gravações. E eu recebo o retorno de muitos educadores que aplicaram os vídeos em sala de aula e que elogiam bastante o produto, afirmando que é bem didático e que ainda vão utilizar muito”, relata a educadora.

A produção dos vídeos só foi possível devido à colaboração de diversas pessoas em diferentes âmbitos. Tabita escreveu os roteiros em português, a

docente Fernanda da Rocha Brando Fernandez, do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do campus de Ribeirão Preto (FFCLRP), que orientou o mestrado, revisou o texto, e a professora Mariana traduziu em Libras e apresentou/interpretou os vídeos, com a coordenação da mestranda.

Adicionalmente, como Tabita não possuía o conhecimento e nem os equipamentos de edição de vídeos, foi necessária a mobilização de várias instâncias da universidade para a realização do trabalho. Entre eles, o Polo da USP de Jaú, que emprestou os equipamentos para a gravação; o técnico Everton Tedesco, que gravou e editou os vídeos; e a Associação dos Surdos de Jaú e Região, que emprestou o espaço para a gravação do material. Todo esse processo de produção está relatado em um artigo escrito para a revista Comunicação e Educação da USP.

De acordo com Fernanda Brando, a produção dos vídeos mostrou a importância da interface entre diferentes atores e instâncias da universidade para que houvesse esse benefício à sociedade. “O produto de um mestrado profissional na área de Ensino é articulado com um processo formativo, não é algo isolado. E, neste caso, o processo englobou as oficinas, mas também o momento da contribuição da banca, especialmente na qualificação. Por se tratar de um assunto específico, essa expertise de olhar para o produto que estava sendo proposto e dizer que a pós-graduanda poderia fazer diferente foi algo essencial para o processo”, alega a orientadora.

Resultados

No final de 2020, o material educomunicativo para ensino de surdos foi contemplado pelo Projeto Salas Verdes, do antigo Ministério do Meio Ambiente, que visa incentivar a implantação de espaços socioambientais para atuarem como Centros de Informação e Formação Ambiental. A iniciativa seleciona vídeos da área ambiental enviados por profissionais de todo o Brasil, que são gravados em CDs e distribuídos para Salas Verdes de todo o país.

Segundo Fernanda, essa devolutiva para a sociedade é algo que precisa ser superado pelas universidades, pois ainda existe um “gap” no acesso ao conhecimento que é produzido dentro dessas instituições, mas trabalhos como o de Tabita estão conseguindo extrapolar essa distância. “Aos pouquinhos, fazendo um trabalho mais de base, ele foi ganhando o seu formato e conseguindo chegar para as pessoas de seu público, fazendo com que a universidade seja também um modelo para a sociedade. E, no caso da Educação Ambiental, eu vejo muitas potencialidades”, finaliza a professora.

Saiba mais

A dissertação de mestrado da aluna Tabita Teixeira pode ser acessada em:

http://www.profciamb.eesc.usp.br/programa/material-educomunicativo-para-o-ensino-de-surdos-educacao-ambiental-para-as-aguas/